20111201

4 Temas de Bertazzo - II


O Conceito de "Liberação Corporal"

Sem dúvida a interpretação de um espasmo doloroso ou bloqueio como defesa face à desorganização diverge frontalmente do que afirmam as escolas e terapias corporais que se tornaram conhecidas a partir dos anos 60, cuja palavra de ordem era justamente liberação: "relaxar os músculos", "desbloquear as vértebras", "liberar as tensões", "soltar as emoções" etc., o que resultava efetivamente em diluição.

Essas escolas nos pediam, em síntese, que dissolvêssemos nossas tensões, propósito muito compreensível. Porém, no processo de dissolver nossas tensões, há o risco de desfazer nossas estruturas e de perdermos a possibilidade de coesão.

As instruções para "liberar" e "soltar" talvez, coubessem, com mais propriedade, ao âmbito do tratamento psicológico. Mas houve uma generalização perigosa, e também as terapias e métodos corporais passaram a enfatizar o "liberar", "desmanchar" e "relaxar" no plano corporal. Abandonou-se quase por completo a ideia de criar estruturas, definir funções, e assim nos distanciamos mais ainda da autonomia e da definição da identidade de nosso aparelho locomotor.

O corpo é uma estrutura material que possui suas sínteses, e estas não se presentificam em leveza ou incorporeidade. Se não aceitarmos tal fato, retardamos a compreensão do que significa ter conforto dentro da matéria, ou do que seja possuir uma boa organização em nosso interior. No fundo, o equívoco não foi estimular a soltura do que 'estava preso", mas negar ao que "estava preso" a possibilidade de integrar-se na estrutura do movimento.

Grosso modo, um bloqueio nada mais é que uma "tensão parada". É preciso fazer com que essa tensão se distribua dentro de uma unidade. Se existe uma artrose localizada no joelho, que traz limitações e dor na sustentação do peso do tronco, essa tensão nada mais é que o estrangulamento de um movimento que deveria estar distribuído por todo o membro inferior. Se há espasmo muscular em torno de uma vértebra, ocasionando sua torção, mais do que "desbloquear" essa vértebra, será preciso criar a consciência da organização cilíndrica dada ao tronco pelas costelas, que possuem, entre outras, a função de nos verticalizar.

Essa ideia de "desfazer" nossas estruturas corporais pode estar ligada a um equívoco conceitual que considera imperfeição tudo o que é material e pesado, contrapondo como ideal e desejável aquilo que é "leve", "espiritual". Buscando essa "leveza" ou "soltura", atrasamos bastante a percepção do conforto possível no âmbito da matéria.

Pessoalmente, acredito que possuímos hoje condições para superar essa concepção maniqueísta. Especialmente porque a ciência — tanto a desenvolvida no Ocidente quanto a recuperada do Oriente — tem mostrado que o sagrado, o espiritual, está invariavelmente amalgamado à matéria. Prova-se hoje que a matéria é uma forma de energia que tem a propriedade de se condensar e desfazer-se continuamente. Aos poucos percebemos que os conceitos de matéria e espírito não são conflitantes.

Na área científica, especialmente na Física, comprova-se que o universo é "neutro", que sua total carga positiva é compensada por sua total carga negativa. Acredito que, em sua estrutura de movimento, o corpo deve ser compreendido da mesma maneira. Em meu entendimento, contrapor corpo e espírito de forma radical foi o grande equívoco de nossa cultura. Se o espírito se contrapõe a alguma outra porção da composição humana, esta é a do psiquismo, e não a do aparelho corporal.

Ivaldo Bertazzo, 'O Cidadão Corpo', página 35


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