20101128

Pescaria: Respiração e Expressividade


3. O yoga: influência

O yoga, já mencionado anteriormente, foi uma das maiores influências que Graham teve no processo formativo de sua técnica. É importante esclarecermos que a formação de uma técnica não foi o principal objetivo desta coreógrafa em sua carreira. Segundo CAVRELL (1998), a técnica surgiu das necessidades impostas pelas criações coreográficas de Graham, seu objetivo primeiro. A técnica veio como consequência, diferentemente do caminho de Doris Humphrey que já objetivava a sistematização de uma técnica, uma forma de se coreografar.

Observamos a influência do yoga em Graham não apenas através de citações bibliográficas. Pudemos reconhecer posturas do yoga ou essência destas posturas em vários exercícios técnicos e em suas coreografias. Além disso, a preocupação com a respiração e a coluna também são preocupações da filosofia yogue.

O yoga surgiu na índia em consequência a uma necessidade de explicação ao mistério da vida, às crenças... Os sábios procuravam, então, observar a movimentação de animais e plantas, "transferindo para os homens os seus movimentos e formas, a fim de obterem a flexibilidade dos corpos, a calma e o repouso mental" (FERNANDES,N.-YOGA Terapia: O Caminho da saúde física e Mental. São Paulo: Ground, 1994: pág.22). Num sentido mais profundo yoga é um estado de mente livre de tendências reativas, um estado de consciência pura. Segundo FEUERSTEIN (Uma Visão Profunda do Yoga: teoria e prática. São Paulo: Pensamento, 2005), "o objetivo tradicional do yoga sempre foi o de ocasionar uma profunda transformação no praticante por meio da transcendência do ego".

Yoga é um sistema filosófico, organizado por Patanjali em seus yoga-sutras e costuma ser denominado como ashtanga yoga ou yoga de 8 membros. O yoga é um dos seis darshanas (escolas filosóficas ou sistemas) indianos, cujo objetivo é a educação integral do ser, o perfeito desenvolvimento corpo-mente.

Patanjali compilou todo este sistema no século II a.c., sintetizando a essência da filosofia yogue. A partir destas observações originaram-se os principais caminhos do yoga: Hatha, Karma, Raja, Jnâna, Bhakti. Hoje existem outras denominações e linhas que foram sendo modificadas e criadas. Até mesmo no Brasil foram criadas novas linhas do yoga. Desta forma, fica difícil catalogar todos os tipos existentes. Porém, a origem é a mesma. Segundo MEHTA (1995), de acordo com a codificação de Patanjali, oito instrumentos juntos constituem a totalidade da disciplina do yoga: abstinências (Yama), observâncias (Niyama), posturas (Asanas), controle da respiração (Pranayama), abstração (Pratyahara), percebimento (Dharana), atenção (Dhyana) e comunhão ou absorção (Samadhi):

- Yama -as abstinências-são a não-violência, a não-falsidade, o não-roubar, a não-indulgência e a não-possessividade.

- Niyama - as observâncias - são pureza, contentamento, simplicidade, auto-estudo e aspiração.

- Asanas são posturas que devem ser praticadas de forma firme e relaxada. Firme, contudo, não tensa; relaxada, e ainda assim graciosa.

- Pranayama - controle da respiração - é a regularização do sopro, e tem o propósito de trazer clareza de percepção.

- Pratyahara é a abstração dos sentidos, é um estado de introspecção em que estamos prestes a entrar em profunda reflexão ou meditação.

- Dharana - percebimento - é a orientação da mente em uma só direção, sem qualquer tensão. Leva à atenção total, plena. Leva à meditação.

- Dhyana - atenção - é a meditação propriamente dita.

- Samadhi - comunhão ou absorção - é um processo de interiorização, em que o corpo e os sentidos repousam, enquanto a mente e a razão ficam conscientes e ativas. É uma experiência de silêncio, de descontinuidade. A vida experimentada de momento a momento. É a percepção pura. Samadhi é um "estado de independência de condicionamentos passados e de reconhecimento da interdependência existencial entre todas as coisas do universo" (DE NUCCIO, 2006).

Para a pesquisa nos interessaram o terceiro e quarto instrumentos do yoga, que se referem à prática das posturas e ao pranayama (controle sobre o prana e, portanto, sobre a respiração). Utilizamos as posturas, onde pudemos reconhecer a técnica de chão de Graham, e outras específicas para o relaxamento de tensões localizadas nas práticas em grupo desenvolvidas pela pesquisa.

"As práticas do yoga promovem a estabilidade do corpo, fazendo desaparecerem as dores e aumentando a liberdade de movimentos" (FERNANDES,N.-YOGA Terapia: O Caminho da saúde física e Mental. São Paulo: Ground, 1994: pág.34). Tendo em vista o objetivo das práticas desta pesquisa, que foi a utilização da respiração como auxiliar em busca da expressividade, tentamos promovera liberação da respiração, ampliando a conscientização e flexibilidade corporal, tornando o corpo mais apto a expressar-se.

Utilizamos, mais especificamente, as posturas do Hatha-yoga, que é o yoga do físico, e os exercícios respiratórios, encontrados em diversas correntes do yoga. O objetivo das posturas "é permanecer numa posição firme, mas sem tensões. Ao manter-se numa postura, confortavelmente, encontra-se o equilíbrio mental. /.../" Quando praticadas corretamente, as posturas "deixam os discípulos vigilantes, relaxados e sem dores" (FERNANDES,N.-YOGA Terapia: O Caminho da saúde física e Mental. São Paulo: Ground, 1994: pág.28). A execução das posturas do yoga está sempre aliada à respiração. E também existem exercícios respiratórios específicos no chamado pranayama. O objetivo da execução destes exercícios na parte prática da pesquisa foi liberar tensões musculares e aumentar a conscientização com relação à respiração e ao corpo.

As semelhanças, em termos de preocupação, do yoga com a técnica de Graham encontram-se, mais enfaticamente, em torno da respiração. Em primeiro lugar, ambas dão importância fundamental a este ato essencial à vida. Graham estruturou os princípios de sua técnica nos movimentos decorrentes do processo respiratório. Em segundo lugar, a coluna como uma preocupação constante, o extremo trabalho enfocando a coluna, suas torções, a sustentação do corpo através dela, que podemos verificar em Graham reflete a sua influência pela Kundalini yoga, levantada por MILLE (1991).

Segundo a Kundalini yoga, dentro do miolo da coluna encontra-se um conduto energético, cuja extensão vai da base da coluna até o alto da cabeça. Nesta região flui uma poderosa energia, denominada energia kundalini. Nas laterais esquerda e direita deste centro energético, dois canais acessórios correspondentes ao feminino e ao masculino, se enrolam em torno da coluna como cobras, em sentido ascendente. Este enrolamento destas últimas duas energias forma cruzamentos, denominados 'chakras' ou círculos de energia, centros de consciência.

O grande desafio da Kundalini yoga é "despertara energia em estado potencial na base da coluna e fazê-la subir, através do canal interno, passando por todos os cakras, até atingir o topo do conduto; momento em que o estado de consciência atigiria sua maior expansão" (DE NUCCIO, 2006).

Correlaciona-se a cada cakra um ponto específico da coluna, além de determinados aspectos do comportamento, do desenvolvimento humano, determinados sistemas físicos e seus respectivos órgãos:

- Chakra da raiz (Muladhara): Localiza-se na base da coluna, no períneo, entre o ânus e os genitais. Relaciona-se com as necessidades básicas de sobrevivência e à estabilidade. Está associados aos pés, pernas, ossos, intestino grosso e às glândulas supra-renais. Sua cor é vermelha.

- Chakra do sacro (Svadisthana): Localiza-se na região dos genitais, no plexo do sacro. Relaciona-se à sexualidade, ao prazer, à criatividade, à auto-confiança e ao bem estar. Está associado ao sistema reprodutor, ovários, testículos, bexiga, rins, sistema circulatório. Sua cor é laranja.

- Chakra do plexo solar (Manipura): Localiza-se na região do umbigo, entre a décima segunda vértebra torácica e a primeira vértebra lombar. Relaciona-se à vontade, ao poder, às emoções intensas: riso, alegria, raiva. Está associado ao sistema digestivo, fígado, baço, estômago, intestino delgado e ao pâncreas. Sua cor é amarela.

- Chakra cardíaco (Anahata): Localiza-se próximo ao coração, entre a quarta e a quinta vértebra torácica. Relaciona-se com sentimentos de afeição, compaixão, amor. Está associado ao pulmão, ao timo, coração, braços e mãos. Sua cor é verde.

- Chakra laríngeo (Vishuddi): Localiza-se na região da garganta. Relaciona-se com a comunicação, expressão, criatividade, intuição. Está associado ao pescoço, ombros, garganta, tireóide e paratireóide. Sua cor é azul.

- Chakra frontal (Ajna): Localiza-se na testa, entre as sobrancelhas. Relaciona-se aos poderes da mente, auto percepção e auto controle. Está associado aos olhos, hemisférios cerebrais, à hipófise ou glândula pituitária. Sua cor é anil.

- Chakra coronário (Sahasrara): Localiza-se no alto da cabeça. Relaciona-se ao esclarecimento, à bem-aventurança, à compreensão da realidade transpessoal. Está associado ao córtex cerebral, à glândula pineal, a todo o corpo. Sua cor é violeta (OZANIEC, 1990).

6. Os conceitos do yoga são amplos, profundos. As informações aqui descritas visam apenas dar um breve contexto desta influência para uma melhor compreensão da técnica de Craham. Maiores informações podem ser consultadas na bibliografia de referência.
7. Existem variações nas obras de referência, a data provável oscila entre os séculos II a.C. e II d.C.
8 e 9. Professor Andês De Nuccio do Instuituto de yoga Isvara de Campinas em entrevista concedida.


Pescado do livro Respiração e expressividade: práticas corporais fundamentadas em Graham e Laban, de Patrícia Leal, São Paulo: AnnaBlume, 2006: páginas 24 a28.

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