20110505

Transformação ou crise?

Toda prática de aasana é uma oportunidade para uma transformação, que pode se transformar numa crise quando temos de enfrentar uma situação 'limite', como um aasana que desgostamos ou uma temível permanência, ou simplesmente fazer o empenho, a volição de manter a mente atenta e relaxada e prestar atenção nas atividades durante a aula.

Muitos praticantes desenvolvem resistências (a mente e a emoção do praticante luta contra os processos de deslocamento da zona de conforto=acomodação que a prática do Hatha Yoga instiga.) e as exibem em sala de aula, geralmente sob a forma  de uma pergunta ou atitude totalmente desconectada do que ocorre da aula, como por exemplo, citar ou 'executar' uma instrução que não foi dada, fazer perguntas (repetitivas ou não) quando o processo de relaxamento já está iniciado. É interessante prestar atenção: quem está presenciando a ação não deve se apegar ao ato do colega para estabelecer uma avaliação da qualidade da aula ou do dicernimento do professor, quem está atuando deve se observar em ação para ter a oportunidade de deixar de ser resistente e de se auto-boicotar.

Segue abaixo o relato de Ana Paula Malagueta Gondim, contando como venceu uma resistência emocional:

ÁSANA, O TESOURO PERDIDO

Muito já se disse e especulou sobre os ásanas, a começar muitas décadas atrás por Patañjali:

'Ásana é [a postura do corpo], firme e agradável. [O ásana] transcende-se ao relaxar no esforço e meditar no infinito. Assim, consegue-se o estado de transcendência das dualidades.'
Yoga Sutra, II:46-48.

Nos dias de hoje, muitos praticam sequências ou séries pré-estabelecidas de aasanas, outros através do alinhamento corporal e alguns dizem que se preocupar apenas com o excelência no desempenho nos aasanas deve ser secundário e foge do objetivo do Yoga.

Por isso tudo e mais um forte desejo pessoal, gostaria de compartilhar a minha visão sobre os aasanas, tendo em vista uma experiência muito marcante para mim.

Há uns três anos atrás resolvi praticar com maior intensidade alguns aasanas de força, muito mais pelo tapas e incentivo de uma pessoa próxima a mim. Praticávamos juntos e isso me mantinha estimulada. Uma das partes mais difíceis era o momento de treinar o chaturanga dandásana. Eu detestava profundamente esta postura, desistia fácil. Mas como praticava com outra pessoa, está me incentivava a continuar persistindo.

Até que chegou um dia em que fiquei por um longo tempo neste ásana, longos minutos.... parecia uma eternidade, os ponteiros dos relógios pareciam congelados. Tentava desesperadamente me concentrar apenas na respiração, respirava, respirava e mesmo assim o tempo se arrastava. Dizia para mim que não ia desistir, mesmo que tremesse tudo. Eu não estava disposta a desistir. A postura não estava me machucando, eu estava respeitando 100% o ahimsa, então poderia continuar. Depois que o tremor do corpor cessou, inicio-se uma batalha interna. Minhas emoções e minha mente estavam armadas da cabeça aos pés, dispostas a tudo para me fazer desistir da permanência, que já se estendia por alguns minutos.

Percebi então, que a única coisa que eu poderia fazer no momento era respirar e observar. O fato foi que o jogo foi sujo. Começou a me bater um desespero. Eu senti uma vontade imensa de gritar e junto com essa sensação surgiu um forte tremor, que não era percebido fisicamente a olho nu. Tudo isso acontecia no meu universo interior. Parecia que o meu anaahata chakra ia explodir e que o manipura iria transbordar. Eu estava sentindo muito, muitas coisas. Eu não conseguia controlar ou entender o que sentia. Foi exatamente neste momento que comecei a chorar. Chorei, chorei e me debulhei em choro.

O choro passou. E com ele levou toda a guerra junto. A única coisa que ficou foi uma gostosa sensação de vitória. Eu havia vencido uma guerra interna. Eu havia vencido a mente e as emoções que tentaram sabotar minha permanência. Pois eu ainda estava firme e forte no ásana. Não existia tremor algum no meu corpo. Eu respirava tranquilamente quando tudo terminou. Finalmente percebi que agora pudia desfazer a postura.

Permaneci um bom tempo apenas ali. Deitada tentando juntar as peças do quebra-cabeça e compreender o que tinha acontecido. O que inicialmente seria apenas mais uma prática de Yoga, se tornou em uma incrível descoberta. Ali, em meio a permanência dissolvi um vaasanaa (extremamente forte, só para salientar), se fez a luz e pude claramente enxergar. O karma que havia gerado um vaasanaa que havia formado um vritti. Ufa! Uma coisa a menos, no meio de tantos samskaaras.

Foi uma experiência totalmente surpreendente para mim. Foi a primeira vez que algo deste tipo havia acontecido. E aconteceu em um aasana! Todos os paradigmas e pré-conceitos estabelecidos depois daquele dia se foram e a prática de aasanas nunca mais foi a mesma. Percebi que há muito mais por de trás de um simples alongamento e esforço muscular. Há um universo além da manutenção do corpo e através das estradas de prana.

Os aasanas são aqueles que nos conduzem há um universo onde os músculos, as articulações, os órgãos e os ossos são o espelhos das nossas experiências passadas. Carregados do que somos. O simples fato de colocar o corpo de uma forma única nos leva a uma experiência diferenciada. A permanência nessas porturas ajudam a dissolver condicionamentos desenvolvidos ao longo das vidas. A liberar emoções presas nos chakras e a permitir que essa energia escoe por todo o nosso Ser. Levando esta energia a entrar em comunhão com o restante do corpo-mente. Nos tornando inteiros de consciência. Pura consciência.

Desde então faço questão de compartilhar isso com meus alunos, sempre que posso. Discursando que quando moldamos nosso corpo em uma postura, nos tornamos ela, de corpo e alma. Da importância de aproveitar a permanência e se observar. Depois que você checou se o corpo está bem posicionado, de que o alinhamento está correto e de há conforto, a viagem começa. A viagem em busca do tesouro perdido. Não estamos em busca de apenas colocar o pé atrás da cabeça, se fosse só isso, mandaria todos para o circo. Queremos mais! Queremos o tesouro.

Mergulhamos então na respiração que nos conduz pelo corpo e sentimos a nossa presença do dedão do pé ao último fio de cabelo. E cada novo ciclo respiratório, cada molécula de praana que percorre nosso corpo é uma nova oportunidade de sentir. Entender como nos sentimos naquela postura. O que passa pela nossa cabeça na permanência. Que tipo de emoção emerge. Permitir-se viajar pelo nosso Universo Interior. Pelo desconhecido, sem medo de defrontar as limitações e de superar o que antes era um muro interminável. Como o era aquela postura para mim. E viajar, sem se preocupar com o tempo, com o ganho final. Ishvara Pranidhana. Entregue-se. Busque o tesouro perdido: o Ser.


Om shanti! Om prema!

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