20090203

Lado B: qual é a sua, de verdade?


'Há uma história que ilustra a relação entre ego e dharma. É uma história que diz respeito a um membro dessa digna profissão: de professor. Na índia, "professor" traduz-se por guru; contudo, esta palavra define algo bem diferente daquilo que nós ocidentais entendemos por professor. "Professor", ou "mestre" para nós - pelo menos hoje - quer dizer alguém que transmite informação e alguém que o guia na sua vida, ajudando-o a superar crises que possam eventualmente surgir em seu caminho. Por sua vez, guru, significa alguém que é o seu modelo; cabe ao aluno identificar-se com o mestre, tornar-se como o mestre; o mestre tornou-se seu mestre e, assim, não há ninguém ali. O mestre simplesmente transmite o ideal, o dharma, adiante.

Essa é a história de um aluno que um dia chegou atrasado à aula. O mestre lhe diz: "Você está atrasado. Aconteceu alguma coisa?"

"Bem", diz o aluno, "Eu não conseguia chegar até aqui. Moro no outro lado do rio e ele inundou. Não havia nenhuma balsa e o ponto onde normalmente eu cruzo o rio estava muito fundo e, por isso, não pude vir até aqui".

"Bem", diz o mestre, "Você finalmente conseguiu chegar. A balsa o trouxe? As águas do rio baixaram?"

O aluno meneou a cabeça negativamente: "Não, o rio está do jeito que estava".

E o mestre: "Então, como conseguiu vir até aqui?"

Ele responde: "Pensei no meu mestre. Pensei: meu mestre é o veículo da verdade para mim, ele é meu deus, meu oráculo. Vou concentrar eu pensamento nele e caminharei sobre as águas, para cruzar o rio, e assim eu fiz. Pensei: Guru, guru, guru! e atravessei caminhando a inundação. Eis-me aqui".

"Uau!", exclamou o mestre, "Eu não sabia que eu era capaz de fazer isso". É claro que o mestre não havia feito isso.

Depois que o aluno vai embora, o mestre pensa que isso estava nele. Pensa consigo mesmo: "Vou tentar. Preciso ver como é que isso funciona". Então, olha em volta, para ver se não há ninguém observando. Ao ter a certeza de estar sozinho, aproxima-se das águas do rio, olha aquela forte correnteza e decide: "Vou fazer isso". E pensa: "Eu, eu, eu". Aproxima-se, entra no rio... e afunda feito uma pedra.

O único motivo que leva alguém a caminhar sobre as águas é o fato de que lá não há ninguém; a pessoa é puro espírito, spiritus, vento. Em sânscrito, chama-se a isso prana. Na mente do aluno, esse mestre era um comunicador da verdade. Na mente do mestre, ele era um "Eu", e o eu pesa e afunda. '

Joseph Campbell, em ‘Mitos de Luz – Metáforas Orientais do Eterno’, pás 131 e 132.

Lado B:
'Quando o discípulo está pronto, o mestre desaparece.'
Zé Rodrix

Comentário póstumo:
desaparece, mas não necessariamente afunda. ;-)

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