20090201

Bem lá no fundo, ou, cadê o seu tigrão?


Aconteceu de uma tigresa prenhe e faminta se ferir mortalmente ao tentar caçar uma das cabras de um pequeno rebanho, porém ela conseguiu parir seu filhote antes do alento cessar.

As cabras, retornaram ao local do ataque e deram com o filhote recém-parido e o acolheram como se este fosse um dos seus.

O tigre cresceu se achando uma cabra, ou melhor, um bode, balindo, comendo capim e o que mais aparecesse pela frente que fosse mascável. Inesperadamente, o tigre sobreviveu à dieta de capim e ao modo de vida das cabras, que, claro, é anti-natural para um tigre. Não se fez lá um belo tigre adolescente, porém 'estava vivo'.

Lá pelas tantas, um dia, um tigre macho estava em busca de alimento na região das cabras encontrou o rebanho e atacou as cabras, que fugiram assustadas. O tigrinho não fugiu, afinal, também era um tigre! Ficou meio atabalhoado, encarando o invasor.

O tigrão olhou a cena encafifado e perguntou ao tigrinho:

- Como assim, tigre, você vive entre as cabras?

Teve como resposta um balido do tigrinho, que já dava conta de mascar uma moita de capim como desejum.

O tigrão ficou passado, chocado com o fato de encontrar um semelhante vivendo em tais condições. Sacudiu o tigrinho, que continuou balindo, até deu-lhe uns bofetes para tentar tirá-lo do que supunha ser uma espécie de transe. Em desespero, o tigrão catou o tigrinho pelo cangote e o levou para a beira de um lago tranquilo.

Na beira do lago o tigrão pediu ao tigrinho que comparasse a imagem de ambos refletida na superfície imóvel das águas do lago, e que reconhecesse que ambos eram tigres, e que não existia nenhum bode ali. O tigrinho, ainda com a ficha meio presa, soltou outro balido bobo enquanto mirava o reflexo de ambos no espelho das águas do lago.

O tigrão catou-o de novo pelo cangote e o levou para sua toca, onde havia caça fresca. (Sim, vegetarianos, isso significa carne suculenta, e sangrenta que é o alimento natural para um tigre.) O tigrão empurrou um belo naco da carne para o tigrinho que fez cara de ai-que-nojo-sou-vegetariano, só que desta vez não baliu (talvez, agora, a ficha estivesse caindo...). O tigrão então enfiou o naco de carne goela a baixo do tigrinho, que refugou, engasgou, tentou cuspir longe, porém agora, um bocado da essência do alimento que nutre a sua verdadeira natureza corria pela primeira vez em suas veias. E essa comida certa fez seu corpo ressoar, vibrar. Então, o tigrinho soltou um inédito e talvez precário rugido, que foi o suficiente para o tigrão reconhecer o potencial do jovem tigre.

E foram os dois pela floresta, em busca de mais comida de tigre.


Esse conto a minha versão da estória, que segundo Joseph Campbell, era a favorita de Ramakrishna.

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