20081116

Leitura de Domingo


Hoje vamos ler sobre o cérebro, e suas possibilidades como educá-lo melhor e o valor do 'não'.

Quanto da sua capacidade cerebral você supõe que usa? 10%? Menos? Mais?
O uso da capacidade cerebral virou paradigma? A neurociência responde.

A neurocientista Suzana Herculano-Houzel nos explica a dificuldade natural das crianças entenderem o não.

Eu, pessoalmente, sinto que continuamos com dificuldades cerebrais de lidar com o 'não'; e que a maioria de nós tem dificuldade em lidar e dizer 'não' volitivamente.

Keleman, ainda no livro 'O corpo diz sua mente' escreve sobre a influência do 'não' para se fazer corporificado:

' Eu Digo Não

Dizer não é fazer uma afirmação de protesto e auto-afirmação que intensifica os próprios processos excitatórios e vivifica o sentido de "eu." No começo da vida, ocorre espontaneamente, circunstancialmente, pré-pessoalmente. O corpo da criança enrijece ou assume uma certa postura e seu caráter se forma nesse padrão de expressão. Lembro-me de como minha filha, quando bebê, começou a expressar o seu não, transformando o choro em grito, depois enrijecendo-se toda de modo a não poder ser tirada do lugar; assim nasceu a sua teimosia. Poucos meses depois, ela sacudia a cabeça, endurecia o queixo e dizia não.

Se desejo sustentar minha individualidade, meu espaço vital, devo aceitar a dor e o prazer que acompanham o risco e o distanciar-se daquilo que me apoia. O não comunica a minha disponibilidade para correr o risco da distância, da separação e da solidão.

Muita gente tem problema em dizer não. Muito mais gente tem dificuldade para dizer não e fazer valer sua posição. Ou então diz não tão rigidamente que depois é incapaz de permitir que o sim, movimento pulsátil de reconexão, aconteça.

Se você não disser não, nunca se afirmará. Se você não exercer a habilidade de formar e manter limites, será sempre uma vítima. É claro que se você nega o mundo, rejeita os outros de modo a que só você exista, perde a si mesmo também. Mas você nunca será você mesmo a menos que se disponha a cortar a si mesmo das suas origens — que pode ser a mãe, a cultura, o grupo de colegas. Você pode até ter de formar uma contração. (...)

Em muitos casos, uma contração é a expressão mais forte de auto-afirmação que uma criança pode fazer. Uma criança diz não para se proteger e afirmar. E se isto não for respeitado, sabe o que acontece? O que você vai ter é uma simpática tigela de gelatina, um não-corpo que não consegue suportar os processos excitatórios que formam a independência.

A contração, o não que inibe a expansão, ao mesmo tempo a afirma. Mas pode se tornar tão firmemente enraizada que a pessoa fica retesada, não se abrirá nunca. Então ela poderá vir até a mim e dizer: "Me ajude a ser responsivo de novo. Me ajude a confiar de novo, me soltar, descontrair, aprender a dizer não de uma maneira diferente." Dizer não primeiro o distancia, depois permite a expressão — o sim — de uma nova ação, um novo você.

Uma contração não precisa ser uma cãibra muscular crônica. Pode ser um conjunto temporário de decisões pessoais. O processo formativo requer que você estabeleça limites e forme a si-mesmo — e, depois, suavize seus limites e forme ou reforme a si-mesmo.'
(pág 27 e 28, itálicos do autor).

E do poder e da importância do 'não' na fomação da criança:

'Uma criança corre o risco de morrer se não responder ou não puder responder às vocalizações inibidoras e aos gestos dos mais velhos. Se ela estiver próxima do perigo, será um apoio vital para ela reagir ao "Não!" de seus pais. Mas quando seus pais usam arbitrariamente o não a ponto de a inibição transformar-se em treinamento, começa então uma guerra de vontades. A criança também tem um não. E se o não dos pais esmagar repetidamente o não da criança, ela começará a sentir que estão interferindo nela. Pouco a pouco, desenvolverá a imagem de um mundo antagônico: um mundo em que não é seguro se movimentar, um mundo em que a exploração tem como resultado a catástrofe.

Quando uma criança diz não, ela realmente quer dizer isso. Não é uma afirmação da individualidade. Uma pessoa em crescimento enfraquece se não vier a valorizar e utilizar seu não. E se os pais abusarem de seu não, a criança passará por um momento muito difícil, aprendendo a usar o seu não sem abusar dele, igualmente. Quaisquer pais que se aferram ao não a bem da disciplina ou proteção constante estão ignorando o não da criança. E a resposta da criança, além da desvalorização do seu próprio não, é ora desconsiderar, ora se submeter ao não esmagador dos pais.

Se, como pai, você sentir o seu não quando o comunicar à criança, ela o escutará e respeitará. Mas se o não se tornar um hábito, se ele estiver inseparavelmente ligado a um sistema severo de educação infantil, então suas reprimendas abafarão a excitação da criança e contribuirão para formar rancor. A criança regularmente repreendida ou batida, quando fala abertamente, aprende a travar os maxilares e continua a fazer isso muito tempo depois que sai de casa.'

(pág 60 e 61, itálicos do autor).


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